Fonte: http://informacaoincorrecta.blogspot.com/2010/06/colocacao-geopolitica-do-irao-parte-i.html

A seguir a transcrição da intervenção de Daniele Scalea, editor de “Eurasia” e autor de O Desafio Total (Ed. Fuoco, Roma 2010), na conferência “O Irão e a estabilidade do Oriente Médio”, realizado em Trieste (Italia) na Quinta-feira 3 de Junho de 2010 e organizada pela Associação Cultural “Estradas da Europa” e “Eurasia – Revista de estudos geopolíticos”.

É um longo discurso que decidimos dividir em 3 partes:

  • a primeira trata da colocação geopolítica do Irão
  • a segunda dos recursos energéticos da região
  • a terceira é uma análise das últimas eleições no Irão.

Vale a pena ler para perceber as razões profundas dos recentes acontecimentos no Médio Oriente e os possíveis desenvolvimentos próximos.
As imagens são as mesmas que foram projectada na sala e acompanharam a intervenção original, obviamente traduzidas por Informação Incorrecta.


A colocação geopolítica do Irão


Esta intervenção é composta de duas partes distintas. A primeira, e principal, é uma visão geral do Irão no ambiente geopolítico global e da Eurásia em particular. O segundo irá abordar o problema das últimas e contestadas eleições presidenciais na República Islâmica.

Começamos com a primeira parte e, portanto, com a posição geopolítica do Irão.

O mundo segundo a geopolítica clássica


Este mapa, retirado dum volume do geógrafo britânico Halford John Mackinder, mostra como os clássicos geopolíticos, especialmente anglo-saxão, costumassem vir o mundo. A geopolítica clássica focaliza a própria atenção no continente euro-asiático: de facto, na Eurásia, se encontram a maioria das terras, da população e dos recursos; e sempre na Eurásia surgiram as grandes civilizações da história.

O mundo está dividido em três faixas, cada uma das quais irradia concêntrica  a partir do centro da Euroásia. Aqui é a área “pivot” ou “terra-coração” (Heartland), cuja característica é ser impermeável ao poder do mar. Não tem litoral (excepto para o Árctico, que todavia não pode garantir as ligações com o resto do mundo), nem há ligação fluvial com o mar, pois os principais rios acabam no Árctico ou em mares fechados. No Heartland, portanto, o poder continental não é combatido por via marítima.

Heartland é envolta por uma segunda faixa, a “crescente interior” (Inner Crescent), que percorre toda a margem continental Eurasiática, desde a Europa Ocidental até a China através do Médio Oriente e o Sul da Ásia: por esta razão é chamada também “terra-margem” (Rimland). Aqui os poderes continental e marítimo tendem a compensar-se mutuamente.

Por fim, fora da Eurásia, está a terceira e última faixa, a “crescente externa” (Outer Crescent), que compreende as Américas, África, Oceania e também a Grã-Bretanha e Japão. Esta é a sede natural da potência marítima, onde a continental não pode ameaça-la.

Segundo Mackinder, que escreveu no início do século XX, o advento da ferrovia teria compensado a maior mobilidade do transporte marítimo, equilibrando a situação do poder em favor da potência terrestre (continental). John Spykman, meio século depois, diminuiu o peso das ferrovias, argumentando que a potência marítima manteve a sua vantagem: Heartland é difícil para a talassocracia (a hegemonia sobre os mares), mas não pode ameaçar esta última se ocupar primeiro a terra-margem (a segunda faixa). Tarefa da talassocracia, que, naqueles anos, assim como hoje, eram os EUA, é de excluir Rimland do poder continental (então a URSS).

Guerra Fria: a estratégia da contenção


A estratégia de contenção durante a Guerra Fria corresponde à visão do mundo da geopolítica clássica. Contra um adversário que ocupava a Heartland (a referência é obviamente para a URSS), os talassocráticos EUA têm operado um dispositivo para manter sob controle Rimland, impedindo a Moscovo de chegar à costa e projectar-se no mar. Deste dispositivo fazem parte a Nato na Europa Ocidental, a Cento no Médio Oriente, a Seato no Sudeste Asiático e a aliança com a Coreia do Sul e o Japão (e mais tarde com a China) no Extremo Oriente.

CENTO (Pacto de Bagdade)


Da Cento, ou Pacto de Bagdad, fazia parte também o Irão, assim como Turquia, Iraque, Paquistão e Grã-Bretanha (como ex dono colonial). Com o mapa é fácil identificar CENTO como um elo da cadeia de confinamento que corre ao longo do Rimland.

O Médio Oriente durante a Guerra Fria: décadas ’50 e ’60


Este mapa mostra, simplificando um pouco, a situação: as partes em jogo nas primeiras décadas do conflito bipolar no Médio Oriente. Se Egipto, Síria e Iraque aproximaram-se à URSS, na região os EUA baseavam-se na tríade das potências não-árabes: Israel, Irão e Turquia.

O Médio Oriente durante a Guerra Fria: situação post 1979


A Revolução Islâmica de 1979 encerra a aliança entre o Irão e os EUA, sem deslocar Teheran para o campo soviético. Isso reforça o peso dos dois pinos sobreviventes, Turquia e Israel, e também o crescente apoio que Washington fornece a ambos os Países, especialmente a Tel Aviv. Por seu lado, todos os Países árabes, excepto a Síria, o Iraque e o Yeêmen do Sul, após a mudança egípcia tomam mais ou menos uma posição morna a favor dos Estados Unidos da América. Esperam que uma aproximação com Washington possa quebrar o “relacionamento especial” entre a Casa Branca e Tel Aviv, e, portanto, receber uma mediação mais justa em relação ao estado judeu. Esperança que ficar não atendida.

O tabuleiro eurasiático segundo Z. Brzenzinski


Esta imagem, tirada do The Grand Chessoboard de Zbigniew Brzezinski, mostra a visão do continente eurasiático pelos herdeiros do clássica geopolítica norte-americana. A Federação da Rússia continua a manter uma posição central, embora menor do que o regime soviético, enquanto a terra-margem (Rimland)  é dividida em três áreas. Para cada uma Brzezinski recomenda uma política regional de Washington.

O Ocidente, na Europa, é o que Brzezinski chama de “uma ponte para a democracia”, que a o pied-à-terre da talassocracia dos EUA na Eurásia. A integração europeia constitui um desafio para os EUA: se tivesse que falir e devolver uma Europa fragmentada e briguenta, ou se pelo contrário, tivesse um grande sucesso através da criação de um Espaço Europeu monolítico e estrategicamente independente, em ambos os casos a presença americana na região seria colocada em discussão. A solução proposta por Brzezinski é de chefiar a integração europeia e direcciona-lo para que não prejudique os interesses dos EUA; exactamente o que aconteceu com a expansão da Nato para preceder e dirigir a da UE, que demandou a própria segurança e orientação estratégica para as chefias americanas.

No Oriente os EUA têm bases avançadas no Japão e na Coreia, que devem manter a qualquer custo. Mas Brzezinski, levando em conta um dos movimentos que decidiu a Guerra Fria, também aconselha a cultivar as relações com a China, que poderia tornar-se um segundo ponte americano na Eurásia.

Finalmente há o Sul, correspondente ao Médio Oriente, desde o Mediterrâneo até a Índia.

O Médio Oriente segundo Z. Brzenzinski


Nesta área, Brzezinski considera que os aliados naturais, embora muitas vezes não intencionais, da geo-estratégia dos EUA são o Irão e a Turquia. Podem contrabalançar a influência russa e frustrar a tentativa de reconquistar as regiões na sua área de influência. Esses interesses “competitivo” entre Turquia, Irão e Rússia, identificados por Brzezinski, mais reflectem a situação da década de 90 do que da última década na qual os três Países têm-se centrado na solução “cooperativa” e não “competitivo”.

Eurasia: concentração dos recursos energéticos


Agora vamos tratar do quadro energético. O mapa resume a situação da energia na Eurásia, identificando quatro regiões de importação (Europa, Ásia Oriental, Ásia Meridional e Sudeste Asiático) e quatro regiões exportadoras (Rússia, Ásia Central, Irão, Médio Oriente). As quatro regiões produtoras poderiam ser substancialmente reduzidas a duas: a Ásia Central não tem acesso ao mar, depende dos Países vizinhos para vender os próprios recursos, nomeadamente a Rússia devido à rede de gasodutos e oleodutos herdados da época soviéticas; o Irão exporta muito menos do seu potencial, como veremos em breve. Por isso sobram a Rússia e o Médio Oriente, mas este último é dividido em várias nações, muitas vezes politicamente, economicamente e socialmente frágeis. É por isso que a Rússia pode ser identificada como a maior potência energética do continente eurasiático (e mundial).

Eurasia: oleodutos e gasodutos


Esta imagem mostra como a rede de energia existente tenha centro no território da Federação Russa. Em particular, a Ásia Central depende quase inteiramente da Rússia para a exportação de seu petróleo até a Europa.

O oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan


Os EUA tentaram inserir-se na conexão Ásia Central – Rússia – Europa. Na verdade, esta ligação cria uma relação de interdependência entre as três partes. Em particular, Moscovo recebe importantes alavancas estratégicas inerentes os Países europeus e da Ásia Central. O plano de Washington é construir novas rotas energéticas da Ásia Central para a Europa que contornem a Rússia. O primeiro projecto importantes nesse sentido foi o oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan. Inaugurado em 2006, teve um efeito perturbador menos importante de quanto previsto pelos Estados Unidos: de facto recebeu o petróleo do Azerbaijão, mas apenas marginalmente o dos Países da Ásia Central.

Os projectos de gasodutos rivais com destino Europa


Nos últimos anos o gás natural tornou-se cada vez mais importante no cabaz energético, e por isso os projectos mais recentes têm incidido sobre o transporte do “ouro azul”. Os EUA lançaram o ambicioso projecto Nabucco que, desde a Turquia, deve chegar na Áustria, representando um canal alternativo para o trânsito no território russo. Moscovo não ficou a olhar: os Russos já começaram a construção do Nord Stream e estão a preparar o lançamento do South Stream: e os dois gasodutos, passando respectivamente sob o Mar Báltico e o Mar Negro, ignoram a Europa Oriental (que criou vários problemas para o trânsito do gás russo) e irão aumentar significativamente o volume de fornecimentos da Rússia para a Europa Ocidental.

O Nabucco e o Irão


O Nabucco tem uma grave deficiência: a incerteza sobre as explorações a partir do qual captar o gás. Além do gás do Azerbaijão, é provável que receberá o do Egipto e do Iraque. No entanto, isto pode ser insuficiente em relação às ambições com as quais será criado. Além disso, a sua óbvia finalidade geopolítica é a de roubar gás da Ásia Central (Turcomenistão em particular), ao trânsito russo. Mas o gás do Turcomenistão tem apenas duas maneiras de chegar até Erzurum: uma conduta hipotética trans-Cáspio (que tem a oposição de duas nações ribeirinhas , a Rússia e o Irão, e acerca da qual permanecem muitas dúvidas técnicas), ou o trânsito através do território iraniano.

Mas o papel do Irão com relação ao Nabucco não pode ser apenas de um simples canal de trânsito de gás do Turcomenistão. O País persa já é um grande exportador de petróleo, mas mostra um potencial ainda maior em relação ao gás natural, com reservas provadas que são as segundas maiores do mundo. E embora seja o quinto maior produtor do mundo de gás, o Irão é pouco mais de vigésimo nono enquanto exportador. Isto porque a maioria do gás produzido é consumido internamente. Esta é uma das principais razões para o programa nuclear iraniano: satisfazer a necessidade de energia interna com o nuclear e a libertar grandes quantidades de gás para a exportação. Exportações que poderiam passar mesmo pelo Nabucco, se houvesse uma distensão com a Nato.

O gasoduto Irão-Paquistão-Índia


Também para evitar essa eventualidade, a Rússia esforçou-se para patrocinar o gasoduto Irão-Paquistão-Índia. Dirigindo para Oriente o gás iraniano, Moscovo pode continuar a ser a principal e essencial fornecedor de energia da Europa. Teheran e Islamabad já começaram a construir, enquanto a Nova Deli, também cúmplices as pressões de Washington, ainda é hesitante. Os paquistaneses têm oferecido aos chineses o lugar dos indianos, mas por enquanto Pequim não aceita nem rejeitada.

Médio Oriente: a situação atual


Nesta fase, o Médio Oriente parece estar a experimentar uma nova polarização. Em comparação com a Guerra Fria, o papel estratégico dos actores externos é menor do que o dos País local, mas não desprezível. A ascensão do Irão assusta muitos Países árabes, especialmente os do Golfo, que junto com a Jordânia e o Egipto já formaram uma aliança “não oficial” com Israel, obviamente, abençoada pelos EUA. O Irão, além do aliado Síria e um par de Países incertos (Iraque e Líbano) também parecem poder contar com a Turquia: um País que tem ambições de hegemonia regional, mas que nesta fase escolheu a cooperação com o Irão. Este segundo bloco cultiva boas relações com a Rússia e a China.


As eleições presidenciais de 2009

Vamos então a segunda parte desta exposição, que abrange as eleições presidenciais iranianas de 2009. Em particular, tentamos compreender se é que foram manchadas pela fraude ou se a vitória de Ahmadinejad pode ser considerada como verdadeira. Apoiamos os resultados numa minha pesquisa pormenorizada, da qual serão apresentados só os dados mais importantes, omitindo os cálculos intermédios e outros argumentos auxiliares.

Estes são os resultados oficiais das eleições disputadas. A primeira coisa que salta aos olhos são os mais de 11 milhões de votos de diferença entre Ahmadinejad e o segundo classificado, Musavi. Num País onde cada mesa de votação tem visto vários observadores independentes e candidatos (incluindo os derrotados: em particular, Musavi tinha mais observadores do que Ahmadinejad) parece altamente improvável, senão impossível, pensar numa intervenção maciça dos boletins de voto já nos assentos. Não por acaso, os mesmos críticos que denunciaram a suposta fraude de Ahmadinejad estão mais inclinados a considerar que os resultados foram simplesmente reescritos pelas autoridades. Mesmo que a re-contagem parcial dos votos em alguns dos distritos mais controversos tenha confirmado os resultados iniciais, a possibilidade de fraude manteve um amplo crédito em todo o mundo.

No entanto, os resultados das eleições foram em linha com o que tinha sido previsto pela maioria dos observadores e das sondagens. Mesmo sem confiar nas sondagens iranianas, há uma, muito significativa, que foi efectuada com todo o rigor científico por três importantes organizações dos Estados Unidos: o centro Terro Free Tomorrow (não suspeitos de “ser bom” com Ahmadinejad, tendo entre os seus conselheiros também o senador John McCain), o prestigiado instituto New America Foundation e a empresa de pesquisa KA, entre os líderes mundiais do sector. Este inquérito, apesar de registar um elevado número de indecisos, mostrou uma tendência de voto relativamente a Ahmadinejad superior daquela de facto foi verificada nas eleições.

Há um outro dado muito importante. Ao substituir Musavi de 2009 com o candidato Rafsanjani, que em 2005 desafiou Ahmadinejad nas urnas, poderíamos descobrir que os resultados das duas últimas eleições presidenciais no Irão são quase coincidentes. Repare-se que em 2005 governava Khatami o qual, nas últimas eleições apoiou Musavi, tal como Rafsanjani.

Segundo alguns comentadores, uma “prova” da fraude sistemática nas eleições de 2009 seria a excessiva uniformidade de votos nas várias províncias. A evidencia aritmética, no entanto, mostra que a votação de 2009 foi mais “deformada” localmente do que em 2005 (que, lembre-se, realizou-se sob um governo de “reforma”, governado pelos adversários políticos de Ahmadinejad).

As discrepâncias locais na votação do Irão em 2009 é significativamente superior, por exemplo, a registada nas eleições italianas de 2008, as quais nem por isso foram acusadas de estar falsas.

Ali Ansari, um pesquisador da Chatham House de Londres, identificou 10 províncias (de um total de 30), em que os votos obtidos por Ahmadinejad seriam improvável em relação aos resultados de 2005. Ansari, como muitos defensores da tese de fraude, adopta como referência para comparar a primeira rodada de 2005. Isso é incorrecto, porque o contexto político era completamente diferente. Primeiro, em 2005 não houve um candidato presidente cessante, que em 2009 foi o mesmo Ahmadinejad, e assim a competição parecia ser mais plural: cinco candidatos em 2005 ultrapassaram o 10% dos votos no primeiro turno. A situação registada em 2009, com apenas quatro candidatos e uma aguda polarização dos votos em dois dos candidatos, faz lembrar o segundo turno e não o primeiro de 2005. Ao refazer os cálculos de Ansari com base precisamente na comparação com o escrutínio de 2005, e reconhecendo a Ahmadinejad 61,75% de novos eleitores (ou seja, a percentagem que obteve em 2005), observamos que em duas das 10 províncias Ahmadinejad até está em declínio .

Em um outra 4 teve aumentos inferiores a 10%; em apenas quatro os seus votos aumentaram em mais de 10%, com um pico de 17,72% em Lorestan. É preciso esclarecer aqui dois pontos: os votos obtidos nestas quatro províncias, mesmo admitindo que todas fossem fraudulentas, somam pouco mais de meio milhão de votos no total, em comparação com um deficit de Musavi de mais de 11 milhões de votos. Em segundo lugar, não há garantia de que, mesmo assim, ganhos significativos não possam ser verdadeiros. Os fluxos eleitorais existem e não significam automaticamente fraudes.


Acaba aqui a transcrição da intervenção de Daniele Scalea, editor de “Eurasia” e autor de O Desafio Total (Ed. Fuoco, Roma 2010), na conferência “O Irão e a estabilidade do Oriente Médio”, realizada em Trieste (Italia) na Quinta-feira 3 de Junho de 2010.




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