Fonte original: “Eurasia. Rivista di studi geopolitici” (Itália), 2/2010, 189-197
Dez séculos de indiferença
Em 1472, o grão-príncipe Ivan III de Moscovo, o futuro gosudar’ (governante) de toda a Rússia, casou com uma princesa bizantina, Sofia (ex-Zoe) Paleóloga, sobrinha de Constantino XI, último imperador romano do Oriente caído 19 anos antes nas muralhas de Constantinopla, atacada pelos Turcos. Para a ocasião, Ivan III adoptou a águia bicéfala e o cerimonial da corte imperial, assim como o título de czar (car’ de acordo com a corrente transliteração) – ou seja, “césar”, legado dos primórdios da Roma Imperial transmitido em sucessão até o epílogo de 1453. Não surpreende
que nos mesmos anos na Rússia se espalhassem as lendas da descendência dos príncipes de Moscovo dos imperadores romanos e a doutrina da “Terceira Roma” – isso é, Moscovo – sucessora da original e da Segunda Roma bizantina [1].
Segundo a lenda, o imperador Augusto, que, durante os seus últimos anos teria dividido o Império entre os próprios parentes (na época em que essa história foi inventada, era normal a considerar o Estado qual propriedade do soberano, e este conceito foi translado para a época clássica), colocou um irmão, chamado Prus, como chefe das margens do rio Vístula. De Prússia teria, após quatorze gerações, Rjurik, o fundador da dinastia Viking à qual pertenceu Ivan III.
A doutrina da Terceira Roma, fundada no século XV, no entanto, teria alcançado uma formulação completa apenas cinco anos após a morte de Ivan III O Grande, quando em 1510 o abade Filofej Tsar escreveu para Basílio III uma carta com
a famosa frase: “Duas Romas caíram, mas a Terceira está de pé e não haverá uma
quarta” [2].
Poucos anos depois do seu casamento com Sofia, Ivan III enviou um agente para
Veneza, com o objectivo de convidar a Moscovo arquitectos e outros exponentes da cultura italiana: entre os que aceitaram havia Aristotile Fioravanti, Aloisio da Milão, Marco Ruffo e Pietro Antonio Solari. Fieravanti construiu em poucos anos a Catedral da Anunciação. Ruffo, Solário e outros arquitectos italianos puseram mão no Kremlin, edificando o Palácio das Facetas e diversas torres. Era apenas uma avant-garde, pois a contribuição italiana na arquitectura russa foi constante ao longo dos séculos. Sobre esta questão, existem excelentes monografias [3], aqui serão suficientes alguns exemplos, tais como Francesco Bartolomeo Rastrelli (1700-1771), autor do Palácio de Inverno, o Smol’nyi Institute, em São Petersburgo e do Palácio de Carskoe Selo (agora Pushkin), e Giacomo Quarenghi (1744 – 1817), ao qual pertence o Teatro Hermitage (São Petersburgo).
Apesar destas significativas relações culturais – para dizer a verdade, essencialmente unidireccionais, por muitos séculos as políticas não foram tão marcantes, com a excepção do relacionamento entre a Roma papal e a ortodoxia de Moscovo, principalmente de conteúdo religioso e certamente não idílico. A razão da ausência de relações políticas entre a Rússia e Itália ao longo de quase um milénio podem ser facilmente identificadas.
A partir do século IX e até o ano mil, a Rússia de Kiev é um país de ligação na rota fluvial Norte-Sul que liga o mar Báltico ao Mar Negro, e não olha para o oeste. No
mesmo período, o Reino da Itália de origem longobarda-carolíngia está em plena crise institucional, e também no sul o controle bizantino é incerto, deixando espaço para as tentativas de secessão: não há lugar para o exterior a não ser para o
medo duma invasão. A partir do século XIII até a idade de Ivan III, os principados russos são colocados sob o calcanhar da Horda de Ouro mongol e, assim, orientados para o leste; no mesmo período, em Itália, o falhar das tentativas hegemónicas imperiais trazia a desintegração política, especialmente no centro-norte do país: a política “estrangeira” dos potentados italianos é destinada principalmente às cidades próximas, no máximo às Ligas nacionais de Guelfos e Gibelinos e as potências vizinhas que podem intervir militarmente. Quando Moscovo sai da dominação mongol e reunifica os territórios da Rússia de Kiev, alcançando o status de importante país europeu, em Itália entra Carlos VIII que inaugura a idade das trevas, ao longo da qual a península é um campo de batalha e terra de conquista para as grandes potências estrangeiras. Nos mil anos entre o nascimento da Rússia até a época de Napoleão, a da Rússia é a história duma potência em ascensão e a
da Itália duma potência em declínio, mas nem Moscovo naquela época tem a força para projectar-se além do nível estritamente regional. Assim, enquanto a Itália se foca nas lutas internas, o Kremlin cuida duma reunificação russa que não vai além da Ucrânia e da Bielorrússia, dirigindo a expansão principalmente para o leste, na exaltante cavalgada siberiana dos Cossacos entre o ‘500 e o ‘600. Nestas condições, as
duas histórias nacionais não podem encontrar-se, mas, no máximo, trocar fugazes
contactos culturais como os brevemente descritos acima.
Itália descobre Rússia
Na luta contra a França de Napoleão Bonaparte, a Rússia de Alexandre I
ganhou o papel de grande potência europeia. A Itália não podia mais ignorar a sua importância, enquanto Moscovo podia muito bem dar pouca relevância à nossa ainda fraca e dividida península: eis porque a Itália começou a “descobrir” a Rússia no início do século XIX, mas demorou muito tempo antes de ser totalmente correspondida.
Como veremos, pode-se argumentar que Moscovo, ainda no período soviético, não tinha completamente descoberto a Itália.
Esta “descoberta”, por cerca de um século, não foi muito bem-vinda por parte dos Italianos. A Rússia, em virtude do seu papel legitimista consagrado pela Santa Aliança, foi sempre hostil ao processo de unificação italiana – embora pudesse contar com a simpatia generalizada entre as elites cultas. Mais de cinquenta mil Italianos (metade do norte da Itália e metade do sul) participaram na grande campanha napoleónica na Rússia, a maioria incluída no IV Corpo, sob as ordens do vice-rei e filho adoptivo do Imperador Eugène Beauharnais. Estes cinquenta mil homens sofreram o trágico destino de quase toda a Grande Armée, mas não antes de terem alcançado a glória em Borodino. Em 1849 os russos participaram na derrota dos movimentos do Quarenta e oito com a invasão da Hungria de Kossuth; ao ajudar os Habsburgos, indirectamente promovem a acção deles em Itália, embora, para dizer a verdade, na península durante a campanha da Hungria a revolução já estava a morrer. Poucos anos depois, os Habsburgos, dando uma formidável demonstração de ingratidão, alinharam contra os Romanov nos Balcãs. Isso poderia ter tornado o Império Russo um possível aliado do Risorgimento italiano, sob a inimizade comum para com os austríacos, mas a distância geográfica, o isolamento diplomático de Moscovo e a escassa história diplomática entre os dois países levaram Conte de Cavour a não considerar essa hipótese, e a optar decididamente por Londres e Paris. Em 1855, mesmo contra a opinião pública e do seu gabinete, o Conte de Cavour escolheu responder positivamente aos pedidos das duas potências ocidentais, e enviou divisões do Piemonte para lutar na Crimeia contra a Rússia e, portanto, em favor de Viena que, embora apenas diplomaticamente, apoiava a intervenção. Embora a Guerra da Crimeia seja geralmente descrita como uma “obra prima de arte diplomática” do Conte de Cavour – que desta forma tornou a questão italiana um problema de política internacional, e já não de ordem pública – o historiador inglês Denis Mack Smith avançou várias dúvidas, argumentando que a decisão de intervenção tinha sido forçada por Vittorio Emanuele II e que no Congresso de Paris “os resultados foram decepcionantes”, ao ponto que o Conde de Cavour esperava “encontrar um aliado na derrotada a Rússia” [4].
Na realidade, a Itália continuou a olhar para as potências ocidentais e, pelo contrário, após a unificação – quando os apetites do nosso país se voltaram para os Balcãs – a Rússia tornou-se um “competidor” político. A mesma a aproximação à Alemanha também derivou da preocupação com o Dreikarserbund russo-alemão-austríaco, potencialmente capaz de definir o destino dos Balcãs cortando a Itália [5], e o nascimento da Tríplice Aliança coincidiu aproximadamente com a crise da Aliança dos Três Imperadores. Em poucas palavras, a Itália entrou no sistema de alianças austro-alemãs no lugar da Rússia. Somente com o início do ‘900 a Itália começou a ver a Rússia com novos olhos, já não como uma ameaça distante, mas como uma potencial amiga.
Rússia como contrapeso diplomático
A história diplomática da Itália é composta de pesos e contrapesos, de aliados e “amigos”.
Isso é compreensível enquanto foi a última das grandes potências e é, desde 1943, apenas uma potência média. Roma sempre se ligou a um aliado potente, sob a égide do qual pudesse assumir a própria política; ao mesmo tempo, para não se tornar demasiado dominada pelo partner sénior, tentou contar com uma segunda potência, não aliada, mas “amiga”, de modo que da triangulação pudessem surgir inéditos espaços de autonomia. O Risorgimento foi perpetrado debaixo da asa protectora do Segundo Império Francês, mas as autoridades do Piemonte e os patriotas mantiveram sempre estreitos laços com a Inglaterra. Sem este segundo ponto de referência, a história da Itália teria sido diferente. Napoleão III promoveu a expansão da Coroa de Savóia no norte da Itália, em função anti-Habsburgos, mas nos seus projectos estratégicos teria permanecido um simples Estado satélite da França, como os outros dois reinos que deveriam ter surgido no centro e no sul do país. Em contrapartida, os Ingleses, que não tinham simpatia pelos Austríacos, mas ainda mais temiam o expansionismo de Paris, apoiaram de forma discreta mas fundamental a expansão dos Savóia até a criação da Itália unitária, que teria sido funcional para a contenção da França no Mediterrâneo Ocidental. Após 1871, com a queda do Segundo Império e o lançamento duma república clerical na França, Roma teve forçosamente que abandonar a aliança com Paris e, depois de alguma hesitação talvez excessiva, apostar numa aliança com a Alemanha. A Inglaterra, que num primeiro tempo a diplomacia italiana tinha a esperança de elevar ao papel de aliado de referência, permaneceu como simples “amiga”, e continuou desta forma a desenvolver o papel de contrapeso para o aliado oficial. A experiência italiana na Tríplice Aliança poderia ser comparada a uma onda: a maré subiu até o apogeu com a presidência de Crispi, quebrou-se na rocha de Adua e começou a retirar-se. Foi durante este período de refluxo, caracterizado por uma diplomacia aberta, dinâmica e parcialmente inconsistente por parte da Itália – que agora estava dividida entre os aliados austro-alemães e os “amigos” franco-britânicos – que Roma fechou os primeiros acordos formais com a Rússia. Por volta de 1907 os Russos e os Ingleses chegaram a um acordo sobre as tensões existentes na Ásia (Pérsia, Afeganistão, etc ..). Tornando-se Moscovo uma “amiga” dos nossos “amigos”, também Roma tentou uma aproximação e primeiro foram fechados acordos comerciais. Durante a crise da Bósnia, de 1908, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Tittoni tentou forjar um verdadeiro entendimento político austro-italo- russo nos Balcãs, mas foi frustrado principalmente por causa do grande esforço de Berlim em apoio à Áustria, que tornou Viena especialmente corajosa e Moscovo muito reticente. No ano seguinte, todavia, foi a própria Rússia que tomou a iniciativa. Em 24 de Outubro de 1909 o Czar em visita encontrou o Rei de Itália em Racconigi: aqui o ministro Aleksandr Isvolskij apresentou ao seu homólogo Tittoni um esboço de acordo já elaborado e, para superar eventuais relutâncias motivadas pela conexão italiana com a Tríplice Aliança, mostrou também uma cópia do tratado de neutralidade austro-russa de 1904, mantida em segredo por Viena ao aliado italiano, tendo sido claramente estipulado contra o nosso país. Também o tratado de Racconigi foi assinado em segredo, e incluía um compromisso de Rússia e Itália para manter o status quo nos Balcãs e, caso isso fosse impossível, encorajar o surgimento de estados nacionais e não a expansão imperial de sujeitos externos (ou seja, a Áustria-Hungria). O tratado, que foi imediatamente seguido por outro acordo bilateral com Viena (a Itália continuou a aplicar a própria política de “aliados” e “amigos”) não se limitava ao teatro Balcãs: Roma consentia apoiar as ambições da Rússia sobre os Estreitos do Bósforo e dos Dardanelos, em troca da ocupação de Tripoli e da Cirenaica. Sergio Romano escreve: “A promessa de Racconigi mostrava que [a Itália] estava pronta a aumentar o número dos jogadores para reduzir a hegemonia anglo-francesa no Mediterrâneo” [6]. Pela primeira vez, a Rússia entrava no jogo de pesos e contrapesos da diplomacia italiana.
Os grandes eventos bélicos são quase sempre negativos para as potências em desvantagem do ponto de vista militar, e este é o caso da Itália durante toda a própria história unitária. Em ocasião da explosão da Primeira Guerra Mundial, Roma foi forçada a participar numa das duas coligações e, previsivelmente, escolheu o lado dos que possuíam a maior capacidade para afecta-la [7].
O facto de estar do mesmo lado da Rússia, nesta ocasião, tudo somado foi acidental: a Itália, de facto, tinha escolhido o lado dos Franceses e dos Britânicos. É claro, o Império do Czar poderia ter sido útil após a guerra, se não tivesse autonomamente antecipado os destinos dos três jogadores derrotados, quebrados e brutalizados pela vingativa política predatória de Versalhes. A Itália encontra-se sozinha, com três fortes aliados – França, Inglaterra e EUA – e nenhum “amigo” com o qual poder contra-equilibra-lo. Ainda por cima, Franceses e Britânicos, devido a ausência de ameaças imediatas, tinham pouca necessidade de acalmar a Itália e mostraram-se pouco inclinados a conceder, tanto nos Balcãs como no Mediterrâneo e na África, regiões ou esferas de influência que poderiam ter aumentado o poder de Roma e eventualmente tornar-se uma ameaça para eles mesmos. Wilson, entretanto, tinha um forte desagrado pela diplomacia italiana, e foi um obstáculo adicional ao invés de uma ajuda: depois dele, os EUA escolheram o isolamento político e Roma foi deixada sozinha, Cinderela entre duas irmãs malignas e muito mais fortes, intencionadas a mantê-la como sócia minoritária da tríade (em função de contenção da Alemanha e do comunismo) -, mas determinadas a mantê-la dessa forma e nada mais. Portanto é possível interpretar o reconhecimento da URSS, formalmente apresentado Mussolini em 07 de Fevereiro de 1924, (entre os primeiros governos europeus a fazê-lo) em função do esquema até agora descrito. Na ausência da Alemanha, a União Soviética era visto como um “amigo” que poderia ter funcionado como um contrapeso para os Aliados [8]. Esta situação durou muito tempo, em primeiro lugar pela hesitação de Mussolini em tomar partido de forma decidida contra as “demoplutocracias ocidentais” e, em seguida, por causa do retorno em grande estilo da Alemanha à cena internacional, o que tornou Berlim o novo ponto de referência da política externa italiana. Ao longo da Segunda Guerra Mundial, Mussolini até enviou pela terceira vez – depois de Napoleão e Cavour – as tropas italianas para combater contra a Rússia, e como nas duas vezes anteriores, os Italianos não estavam a seguir os próprios interesses geopolíticos, mas confiavam no aliado de referência que tinha decidido e conduzido a guerra. É sabido que Hitler não sequer consultou Mussolini antes de lançar a “Operação Barbarossa”, que se mostrou decisiva para o destino da guerra, mas não no sentido de que o Führer queria e esperava.
Após a derrota, mesmo antes da guerra ter acabado, era clara para todos a importância que a União Soviética tinha adquirido na política internacional, e a que potencialmente poderia ter na política externa italiana. O Reino da Itália durante a guerra, ficou submetido a uma Comissão de controle anglo-americano. Renato Prunas, hábil secretário geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros (Ministro de facto, sendo o titular do Ofício refém dos Alemães), decidiu com Badoglio aumentar a própria capacidade de negociação envolvendo na partida também a URSS: no inverno de 1943-1944, liderou as negociações com Andrej Vyshinsky o que levou em Março à abertura de relações diplomáticas entre o Reino da Itália e a URSS. O problema é que Moscovo, na altura, ainda não tinha “descoberto” a Itália qual elemento funcional da própria acção geopolítica e diplomática e, como veremos, este estado de coisas persistiu nas décadas seguintes, minando as tentativas de abordagem italianas; Acrescente-se que, em qualquer caso, uma vez que a Itália era parte da esfera de influência ocidental, os Soviéticos acreditavam que a actuar deveria ter sido o local partido comunista e não a diplomacia [9]. Desta vez, o Kremlin, que esperava apenas enviar uma mensagem aos anglo-americanos, tratou com extrema frieza o embaixador italiano em Moscovo, Pietro Quaroni. A diplomacia de Roma recebeu pouco depois uma segunda decepção. Após a guerra, grande áreas da política e da diplomacia italiana tinham sérias dúvidas sobre a escolha atlantista patrocinada pelo Primeiro-Ministro, Alcide De Gasperi, e pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Carlo Sforza. Em particular, Manlio Brosio, político liberal que no final de 1946 havia substituído Quaroni no papel de embaixador em Moscovo, argumentava a escolha neutralista, esperando que a Itália pudesse tirar proveito duma nova “política do peso determinante”: como uma bela mulher que mantém em xeque os pretendentes, com o resultando de ter ainda mais atenção dos pretendentes, Roma deveria ter permanecido em equilíbrio entre os dois lados e, entretanto, aproveitar dos frutos resultantes da tal posição privilegiada. Na verdade, isso revelou-se impraticável porque os Soviéticos foram os primeiros a assumir que a Itália deveria fazer parte da esfera de influência dos Estados Unidos: portanto, mostraram desinteresse no projecto de Brosio, tendo já decido que na Itália teriam aplicado uma “diplomacia popular” por meio do PCI [10]. Brosio, após de ter chocado contra o muro da indiferença soviética, acabou por converter-se ao atlantismo, até tornar-se Secretário Geral da NATO, entre 1964 e 1971. No entanto, a ideia de estabelecer relações amigáveis com a União Soviética para explora-la como um contrapeso perante o poderoso aliado norte-americano e obter desta forma inusitados espaços de acção autónoma (no Mediterrâneo, em particular), foi uma constante da classe dirigente italiana. A leva-la em frente foi a ala chamada “neoatlantista”, oposta à dos “atlantista ortodoxos”. No início de 1956, do Presidente da República Giovanni Gronchi estabeleceu uma série de colóquios com o embaixador soviético Bogomolov sobre a possibilidade de encontrar uma solução pacífica à questão alemã, propondo a união confederal das duas Alemanhas e a neutralidade ao longo de vinte anos. Os soviéticos afirmaram estar interessados, mas intervieram os atlantistas Segni e Marino – respectivamente primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros – a bloquear, nesta como em outras ocasiões, a diplomacia presidencial. Uma solução tal como a proposta por Gronchi, obviamente, não agradava Washington, que em 1954 tinha incluído a Alemanha Ocidental na Nato, voltando a rearma-la em função anti-soviética (foi em resposta a esse acto que, em 1955, se formou o Pacto de Varsóvia). Em Fevereiro de 1960 Gronchi foi a uma visita a Moscovo, na esperança de retomar a conversa sobre a questão alemã e o complexo de relações entre os dois blocos, mas, com sua grande surpresa, durante um encontro na Embaixada, foi publicamente provocado por Nikita Khrushcëv, em mais uma demonstração de quão pouco os Soviéticos mantivessem em conta a diplomacia italiana. Khruschev, dando uma demonstração de pouco tacto, culpou os Italianos da “acção criminosa” da década anterior e comparou as conquistas científicas da URSS (o Sputnik tinha acabado de chegar à lua) com o desemprego do nosso “Estado burguês”. Melhor aconteceu com o presidente do Conselho Amintore Fanfani, em Agosto de 1961, quando chegou a sua vez em visita a Moscovo; todavia, o papel da Itália como possível mediador entre os EUA e a URSS não foi ainda reconhecido por Khruschev, de modo que, enquanto Fanfani estava de volta para a terra natal, a questão alemã foi subitamente resolvida com a construção do Muro de Berlim. Desde então em Roma foi interrompida a procura activa da amizade de Moscovo, concentrando as expectativas de autonomia no teatro do Mediterrâneo e tornando-as aceitáveis para os Estados Unidos ao mostrar forte lealdade a Washington, em comparação com a URSS.
O fim da confrontação bipolar, no entanto, provocou a crise da política externa italiana: sem um inimigo europeu dos EUA, não há possibilidade valorizar a própria contribuição na aliança. A solução só pode ser a já adoptada no passado: tentar equilibrar o demasiado poderoso aliado com um “amigo” de peso. O renascimento da Federação da Rússia desde a chegada ao poder de Putin mostra claramente o caminho da diplomacia italiana, mais consciente do papel geopolítico de nosso país. As relações muito cordiais instauradas com Moscovo pelo governo italiano fazem esperar que esta exigência tenha sido entendida.
A Rússia como fornecedor de energia
Não podemos deixar de notar que a visita italiana de maior sucesso na Rússia comunista, apesar de Gronchi e Fanfani, foi a de Enrico Mattei. Em Novembro 1957 o gerente do ENI assinou os primeiros acordos com Moscovo para a importação
na Itália de petróleo soviético em troca de equipamentos para a extracção e o transporte de petróleo bruto. Nos anos 70, após o forte aumento dos preços do petróleo decididos pela OPEC, o governo italiano tentou conter o choque com o uso do gás natural nos consumos nacionais de energia. A URSS, juntamente com a Líbia e a Argélia, tornou-se portanto um interlocutor privilegiado, e reforçaram-se os acordos já em vigor desde Mattei.
Na União Europeia, a Itália, com um consumo bruto [11] de energia de 186,1 milhões de toneladas de petróleo equivalentes (mtep), fica atrás apenas da Alemanha (349), da França (273,1) e do Reino Unido (229,5). Em termos de importações líquidas [12] a Itália ultrapassa os dois países ocidentais, com 164,6 mtep aproxima-se da Alemanha (215,5). Na classificação de dependência energética, ou seja, na relação entre as importações e o consumo bruto, a Itália, com um resultado de 86,8% fica na frente de todos os outros grandes países europeus como Espanha (81,4%), Alemanha (61,3%), França (51,4%) e Grã-Bretanha (21,3%), encontrando na frente só pequenos países como Chipre, Malta e Luxemburgo (cuja dependência é total) e Irlanda (90,9%) [13]. É também de referir que o dado da dependência está a aumentar: em 2004 foi de 84,5% [14]. Embora a Itália seja o décimo quinto consumidor de energia do mundo, é o nono maior importador da mesma. O petróleo e o gás natural dominam o fornecimento da energia primária na Itália, e o mesmo se passa com o quadro das importações (juntos somam 85% do total): o nosso país é o sétimo maior importador líquido de petróleo no mundo, e o quarto de gás natural [15].
Neste contexto, a Rússia, principal fornecedor de energia, está a tornar-se fundamental na geopolítica italiana. Roma tem a necessidade de manter cordiais relações comerciais com Moscovo e de proteger as rotas de trânsito dos hidrocarbonetos russos para o nosso país: nesta óptica explica-se a escolha do ENI para cooperar com a Gazprom em todos os campos e em particular na implementação do gasoduto South Stream, que atravessa a instável Europa Oriental. Este factor soma-se à necessidade dum contrapeso diplomático ao apontar, sem sombra de dúvida, a Rússia como um dos pilares necessários para a política externa italiana do século XXI.
* Daniele Scalea, redator de “Eurasia”, é autor de La sfida totale. Equilibri e strategie nel grande gioco delle potenze mondiali (Fuoco, Roma 2010)
1. Cfr. Nicholas V. Riasanovsky, Storia della Russia. Dalle origini ai giorni nostri, Bompiani,
Milano 200310
, pp. 113-114.
2. Ibidem, p. 132.
3. Ver exemplo de Ettore Lo Gatto, Gli artisti italiani in Russia, 3 voll., Ministero degli Affari
Esteri, Roma 1934-1943.
4. Denis Mack Smith, Il Risorgimento italiano, il Giornale, Milano 1999, pp. 296-297.
5. Essencial neste assunto Brunello Vigezzi, L’Italia dopo l’Unità: liberalismo e politica
estera in Idem, L’Italia unita e le sfide della politica estera. Dal Risorgimento alla
Repubblica, Unicopli, Milano 1997, pp. 1-54.
6. Sergio Romano, Guida alla politica estera italiana. Da Badoglio a Berlusconi, Rizzoli,
Milano 20062
, p. 20.
7. Cfr. Marcello de Cecco, Gian Giacomo Migone, La collocazione internazionale
dell’economia italiana, in Richard J.B. Bosworth, Sergio Romano (a cura di), La politica
estera italiana / 1860-1985, Mulino, Bologna 1991, pp. 147-196.
8. Vão parcialmente neste sentido as considerações de Michele Rallo, Il coinvolgimento
dell’Italia nella Prima guerra mondiale e la “Vittoria mutilata”. La politica estera italiana
e lo scenario egeo-balcanico dal Patto di Londra al Patto di Roma, 1915-1924, Settimo
Sigillo, Roma 2007. Também Manfredi Martelli, Mussolini e la Russia, Mursia, Milano
2007.
9. Cfr. S. Romano, Guida alla politica estera italiana, cit., pp. 26-27.
10. Cfr. S. Romano, Guida alla politica estera italiana, cit., pp. 68-69.
11. Isso é, produção primária mais importações menos exportações.
12. Importações líquidas, sem exportações.
13. Todos estes dados de Europe’s Energy Portal: <http://www.energy.eu/>.
14. <http://ec.europa.eu/energy/energy_policy/doc/factsheets/country/it/mix_it_it.pdf>.
15. <http://tonto.eia.doe.gov/country/country_energy_data.cfm?fips=IT>.
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